Monday, June 11, 2007

Suicídios Anónimos

Suicídios Anónimos

Passeia-se pelo cérebro, uma bala, invejando o desfilar criativo da lâmina, que se pavoneia num palco de artérias e veias. Ambas ignoram o despejar febril de valium, descendo livremente pela garganta como se de água se tratasse, e como água acompanha absinto, sempre facilitando a deglutição e deturpando a percepção. Sim, o alcoól decerto adormecerá as garras da consciência o suficiente para estas resvalarem sem danos maiores a alma em fuga.

Algures, um banco peca por excesso, de ciúmes neste particular caso: tomba por amor e inveja, oferecendo-se ao poderio gravitacional que, naqueles precisos e preciosos segundos, lhe pertence como nenhum outro amante lhe pertenceu. O corpo que nele repousava, erecto e espectante, cai copiosamente, mas a corda que se lhe abraçava ao pescoço, assolada por desespero, agarra-o em força, numa luta desigual; qual será o objecto que alguma vez poderá medir forças com a gravidade e declarar-se victorioso?
A derrota aproxima-se; sente-o o banco, estremece-o o corpo, ressente-o a corda; espasmos mórbidos espalham-se por toda a sua estrutura. Felizmente, segundos depois, alivia-se-lhe o sofrimento com o suave acalmar da garganta, desviada da sua mortal paixão pela força que a todos nos atrái. Os seus pés baloiçam, pálidos, zombando do chão.

E zombar do chão será, nos dias que correm, um feito suicida, especialmente nas frequentes ocasiões em que dele nos separam um passo em frente e dezenas de metros para baixo. O vento, coitado, açoita e avisa em desespero. Sem sucesso, evidentemente, pois o fascínio é demasiado arrebatador.
Segue-se o mergulho. A pique. Olhos apelam à capa protectora das pálpebras "Escuda-nos do vento!", desprendendo-se do seu canto lágrimas masoquistas. O Coração palpita como se a adrenalina fosse ferro incandescente que o espicaça, diástoles e sísoles cegando os ouvidos para o tempo em corrida. Apenas 100 metros; quantos segundos? E logo, logo o tempo acelera o colapso da face sem cara contra o porta-bagagens de um qualquer carro, cujo acto de heroísmo poupou ao chão um acidente macabro e sujo.

Uma a uma, caras apagam-se. Para trás deixam faces, miseráveis e solitárias, numa eterna procura da luz que se foi...daí os suicídios anónimos: porque a luz era tudo.

Sim; porque na vida deveria bastar o amor, o ser, o viver. Abatem-se as luzes e tudo passa a ser um conluio sacrílego onde se substitui o divino e humano por lanternas e pilhas.

Suicídios anónimos porque já nada mais serve; não é querer morrer, é não querer viver.

E é assim que empalidece a face oca; em busca de uma outra luz

Monday, June 04, 2007

Fogo e gelo contra a parede

Com o teu sorriso,
o teu apenas,
e com um gesto,
apenas um,
despertas em mim um acorde animal,
e tremo de antecipação;

quero-nos nus,
eu e tu,
quero as curvas percorridas,
as posições preferidas,
a cumplicidade familiar,
a tua vibração sob o meu olhar.

Aproximas-te,
trazes música contigo,
Inclinas-te,
incendeias desejo sôfrego,
e somos fogo e gelo contra a parede,
ah!, a minha boca estremece de sede!
Perco o ar,
tiras-me o ar,
beija-me; temos que respirar!

Essa pele contra esta pele,
deliciosos lábios contra indecorosos lábios,
dá-me saliva
quero saliva
enlouquece-me, e eu a ti,
parece cio; já me perdi

As tuas mãos recordam,
as minhas jamais esqueceram,
olhos com olhos,
excitas-me, excito-te,
ritmo acelera
pele!, dilacera
carne!, alimenta
alma!, completa:
fodemos como quem faz amor.

Dar e receber,
receber e dar,
há dor no teu calor,
há calor no teu ardor,
e há apenas pele, ar, respirar, sentir, fazer,
ser os dois, ser um, ser os dois de novo,
e uma vez mais;
mais! Mais! MAIS!
Só mais um pouco, um pouco mais!
Sim!

Sim!

...beijas-me.
já tens fôlego...
o ar já existe
o ar insiste:
dá-me só um minuto...

..., sorri de novo,
move-te de novo,
façamos amor como que fode, desta vez!